O Moscardo

O moscardo passou o Verão a inquietar com zumbidos os animais da mata. Todos estavam fartos dele:

-- Ó moscardo, vai ver se chove!

Tanto lhe repetiram “Ó Moscardo, vai ver se chove! “ que ele assim fez. Foi a Lisboa ver se chovia. 

Aterrou no Jardim Zoológico e já de lá não saiu, divertia-se que eu sei lá a assarapantar elefantes.

Aquilo durou mais de uma semana, até que uma manhã o moscardo acordou com saudades da mata, umas saudades tremendas. Faltavam-lhe as urzes em flor, o aroma da resina... Faltava-lhe o piar das corujas à noite. Precisava de voltar para casa.

Pôs-se a caminho, à boleia dum autocarro expresso. Nunca viajara a tal velocidade, montes e vales corriam ao seu encontro, z-z-z-z!.... Estava tudo trocado, agora era o mundo que lhe zumbia a ele, não era ele que zumbia ao mundo!

Z-z-z-z-z.... Uma rabanada de vento arrancou-o do tejadilho e levou-o pelos ares fora, às cambalhotas! Mesmo assim, ele lá se aguentou, conseguiu guinar em direcção a um rio. Pousou sobre uma folha que a corrente levava: era o seu barco!

Lá ia ele a navegar, todo satisfeito, à fresquinha.

-- Ai o parvo a assobiar, armado em marinheiro!-- exclamavam as libelinhas de asas azuis. -- Se calhar julga que é mais que nós!...

Em vão o desafiavam para combate, o moscardo conduzia a folha a direito, sem a deixar encalhar nas ramarias. Só havia um problema, é que a folha ia-se ensopando e amolecendo.

“Não me convém naufragar...”, assustou-se o moscardo. Viu ao longe um cavalo a atravessar o rio e levantou voo nessa direcção. Zzz, as coisas complicavam-se. O motor não ganhava altitude, as asas já tocavam a espuma dos redemoinhos... Avançou quanto pôde, depois caiu a pique: glu-glu-glu! O lodo do fundo remexeu-se para o engolir, mas o moscardo fintou-o, veio ao de cima a espernear. Tinha-lhe feito bem o banho gelado!

À flor da água, as crinas do cavalo flutuavam, estendidas... Antes que lhe fugissem, agarrou-se a elas. Passado um bocado já estava capaz de zumbir.

-- Zzzzz... Ó cavalinho, eu conheço-te. És o Cansado, és o cavalo da Mata. És ou não és? Zzzz...

-- Sou. E tu és o moscardo que nunca parava quieto. Pois agora fica sossegado e deixa de zumbir e de me arrepelar.

O moscardo teve de fazer o resto do caminho todo ensopado, a cavalo no pescoço dum cavalo, sem poder zumbir, nem badalar a tromba nem nada. Não lhe custou muito. Sentia-se tão feliz por regressar a casa! 

Passados uns tempos, já os bichos da Mata estavam outra vez fartos de o aturar:

-- Ó Moscardo, vai ver se chove!

Mas ele não ia, claro. Isso é que era bom!...