A Formiga Rabiga, as suas irmãs gigantas, o coelho Branquinho, a Cabra Cabrês e o Detective Carraça

Pela montanha das Urtigas viajavam três formigas. Iam para muito longe, para a toca do Coelho Branco, que as tinha convidado para jantar daí a um mês.
A montanha das Urtigas tinha má fama. Dizia-se que andava por ali a Cabra Cabrês. Por isso as duas formigas maiores olhavam para todos os lados, com medo de serem assaltadas. A formiga pequenina, chamada Rabiga, também ia a olhar para os lados, mas era à procura de comida.
-- Ai, quem me dera umas migas... -- disse ela às outras formigas.
-- Esta menina está sempre com fome! Olhe, coma urtigas! Quem tem fome, urtigas come!
Prosseguiram a subida e ao fim de mais três semanas a  roer folhas de urtigas, a formiga pequenina chamou as manas formigas: Psst... Psst...
-- Que foi? Que é que houve? 
-- Cheira-me a migas de couve com broa...
-- Esta menina não está boa da cabeça!
Puseram-se a andar depressa, para alcançarem o cume. Mas lá no alto a Rabiga fez a fita do costume:
-- Estou mais que farta de urtigas! Daqui não saio sem migas!
-- Veja se atina, menina, não fale outra vez em migas! Siga lá pelo carreirinho, lá em baixo já é a toca do Branquinho. Olhe para ele aos pulos, a acenar com as orelhas para nós!
Nem se pode explicar a alegria do Coelho e das suas amigas  formigas por se reunirem  de novo. Foram logo à horta buscar couves para cozinhar umas migas saborosas. O pior é que ao regressarem acharam entaipada a porta da toca.
-- Quem está aí dentro? -- perguntou o Coelho.
-- É a Cabra Cabrês, que te salta em cima  e te faz em três!
Ao ouvirem o vozeirão da Cabra, as duas formigas grandes encolheram -- e o coelho, pumba!, deixou cair as couves. Mas a Formiga Rabiga, essa, avançou. Não conseguia suportar que lhe atrasassem o seu jantar de migas:
-- Saia daí, Dona Cabrês...
-- Saio se eu quiser! Eu sou a Cabra Cabrês, ao Coelho faço-o em três só com um soco! E a ti, Formiga Rabiga, faço-te em quatro só com um sopapo!
A Formiga Rabiga calou-se muito bem calada. Entrou por uma frincha da porta, trepou pela cabra acima e pic!, mordeu-lhe a barriga.
Por essa é que a Cabrês não esperava. Saltou da toca para fora como uma mola! Largou aos pinotes a direito, sempre a eito... Fugiu, fugiu, nunca mais ninguém a viu!  Mas houve quem dissesse que ela tinha ido refugiar-se na serra do Gerês.
 
Assim que ouviu falar desta história, o Detective Carraça (o célebre Detective Carraça, que as mentiras estralhaça!),  foi logo interrogar a Formiga Rabiga. Falava baixinho, muito sorrateiro:
-- Super-Formiga Rabiga, sou o Detective Carraça, que as mentiras estralhaça. Desculpe Vossa Excelência a impertinência, mas custa-me a crer que Vossa Excelência, Super-Formiga Rabiga, tenha furado a barriga da Cabra Cabrês. É que eu vejo à evidência que Vossa Excelência não tem nem ferrão, nem dentes nem patas potentes!
-- Detective Carraça, eu não preciso de peças dessas. Eu estico as mandíbulas em bico e pic!, pico.
-- Pica com esses picos? Desculpe Vossa Excelência a impertinência: não acredito.
-- O senhor Carraça não acredita, não?... Então dê-me cá a sua mão, para uma experiência.
-- Ai-hi!... Isso é coisa que se faça? Vossa Excelência precisava de me picar?...
-- Ora, foi uma coceguita no ar, só por graça... Torne cá a sua mãozinha, detective Carraça, torne cá a sua mãozinha que eu esfrego e passa.
 
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As aventuras da Formiga Rabiga e do Detective Carraça continuam:

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Já em 1906 o ilustrador francês Benjamin Rabier tinha retratado a Cabra Cabrês, sem nunca a ter visto nem ter ouvido sequer falar dela! (Fables de La Fontaine, Paris,1906).