Os 4 cantores de Bremen, história decifrada pelo detective Carraça (Continuação de "A Formiga Rabiga, as suas irmãs gigantas, o coelho Branquinho e a Cabra Cabrês")

Lembras-te de a Formiga Rabiga ter ferrado uma picadela ao Detective Carraça?
 
Pois bem, o Detective Carraça (o célebre Detective Carraça que as mentiras estralhaça) nem com a ferroada da Formiga sossegou, sempre a matutar  na invasão da toca do Coelho. Ali havia mistério, achava ele. Resolveu deslocar-se à serra do Gerês de propósito para interrogar a Cabra Cabrês.
Lá estava ela, empoleirada num penedo, entretida a roer a lombada de um livro. Sobressaltou-se ao descobrir o detective Carraça, muito pequenino, metido numa casaca preta de oito mangas.
-- Ah!... Quem é este melro?
Ainda ficou mais admirada quando o ouviu responder.
-- Engenheira Cabra Cabrês, Excelência, não sou nenhum melro, sou o Detective Carraça, que as mentiras estralhaça. Desculpe Vossa Excelência a minha impertinência, mas custa-me a crer que Vossa Excelência, com toda essa corpulência, tenha sido vencida por uma ferroadita de formiga...
-- Eu? Vencida?... Ó detective Carraça, a ferroadita da formiga salvou-me a vida! Eu tinha ido meter o bedelho na toca do coelho e depois fiquei lá entalada, sem poder sair, sem nada! Se não fosse a fraquitolas da Formiga Rabiga, que até é boa rapariga, fazer-me cócegas na barriga, eu morria! Já viu o que era é eu morrer entalada numa toca de coelho?...
-- Estou a ver, Excelência. E depois desse seu momento de imprevidência seguido de um salvamento de emergência, que tal se dá Vossa Excelência aqui no Gerês?
-- Mal. Já não me habituo ao clima de cá de cima. Só verdura e água pura, nada que preste, aqui nem plástico cresce!... O que me valeu foi que achei uns livros velhos. Olhe, Detective Carraça, vou oferecer-lhe um de recordação, para se lembrar de mim. Este aqui, olhe, com  um nome estrangeiro: Os Quatro Cantores de Bremen... Fala de dinheiro, violência, roubalheiras e coisas assim, até parece um filme de acção.
-- "Os Quatro Cantores de Bremen" -- começou o detective Carraça a ler de si para si.
-- Leia em voz alta para eu também ouvir! -- pedinchou a Cabra.  
O detective Carraça teve de inchar o peito para conseguir arranjar fôlego:
Há muito tempo, muito longe daqui, na cidade de Bremen, um burro pelado, um trôpego cão, um gato escaldado e um galo ancião, todos os quatro cantores amadores, para ensaiarem à vontade sem serem corridos à pedrada, resolveram reunir-se num descampado.  
Tinham inventado uma canção nova, a canção dos animais abandonados, cujo refrão era:
-- Não temos eira nem beira, 
nem um dono que nos queira!
Plim, plim, plim, plim!
Não temos eira nem beira!
Tanto cantaram que anoiteceu. Viram uma luzinha ao longe e dirigiram-se para lá. Era uma casa arruinada, toda abafada por trepadeiras. Os quatro cantores -- com o cão, o gato e o galo equilibrados sobre o lombo do burro -- podiam espreitar pela vidraça o que se passava lá dentro. À luz da vela, uns ladrões repartiam os roubos. Quem distribuía era o capitão:
-- Moedas de ouro para ti,
e para ti outras tantas,
e umas para mim também
mas das maiores, ora bem... 
Esmeraldas para ti, 
para ti lindos topázios, 
e para mim rubis gigantes 
com bónus de alguns diamantes... 
O burro bateu a pata no chão a avisar os colegas e a seguir arrombou a porta com outra patada tão forte que a corrente de ar apagou logo a vela. Zum-catrapum-pum-pam! Andava tudo num badanal: o burro, o cão, o gato e o galo tinham saltado sobre os ladrões, com couces, zurros, patadas, cacarejos e bicadas, uivos, miados, latidos, arranhões e bufadelas, repelões e mordidelas nas canelas. 
-- São fantasmas, são fantasmas! -- gritavam os ladrões, fugindo a bom fugir  pela escuridão da noite. E o que gritava mais era o capitão: -- Lá vêm eles atrás de nós!
Qual quê, os quatro cantores de Bremen tinham mais que fazer que perseguir ladrões. Estavam felizes na sua casinha abafada pela hera. Daí para diante, já não passariam frio nem fome e poderiam ensaiar cantigas à vontade: 
-- ... os quatro à nossa maneira, 
sem um dono que nos queira!
Quando acabou de ler, o detective Carraça deu uma palmada no livro. Faltava ali alguma coisa, achava ele. Despediu-se da Cabra e foi a correr investigar.  Investigou, investigou (investigou muito bem, porque ele era o detective Carraça que as mentiras estralhaça) e passados uns dias voltou à Serra do Gerês, para contar à Cabra Cabrês as novidades:
-- Engenheira Cabra Cabrês, Excelência, quanto a mim a história dos Cantores não se passou bem assim... Saiba Vossa Excelência que o que eu apurei à evidência foi que os quatro cantores amadores foram ajudados pela Formiga Rabiga.
-- Foram ajudados pela Formiga Rabiga??
-- Foram ajudados pela Formiga Rabiga que com eles zurrou, ladrou, miou, esgatanhou, mordeu, bufou, arranhou, escouceou, deu bicadas e terríveis caneladas. No meio da confusão ainda houve um ladrão que se defendeu com uma vassoura, e outro que reacendeu a vela, e outro que agarrou num balde e deu um banho de água fria aos cantores amadores e à Super-Rabiga. Ah mas a Super-Formiga-Rabiga não desistiu! Daí a bocado, passou por debaixo da porta e foi de cama em cama picar os ladrões adormecidos: pic-pic, pic-pic, pic-pic... Os ladrões ainda saltaram mais alto que V.ª Excelência no outro dia na toca do Coelho, senhora engenheira! Atravessaram o telhado destelhado e foram aterrar ao outro lado do planeta! Uh... com a Formiga Rabiga ninguém se meta!... 
https://violetaemvozalta.blogspot.com/2021/07/a-verdadeira-vida-da-formiga-rabiga-5.html
 
 

As aventuras da Formiga Rabiga, do Detective Carraça e da Cabra Cabrês continuam em: